O composto foi definido por Nadir Arber, pesquisador à frente de seu desenvolvimento, como uma “grande descoberta”. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse a Arber: “Se der certo, será enorme, simplesmente enorme. Isso é de importância global”, conforme reportou o jornal The Times of Israel. Entretanto, ambas autoridades reconheceram que ainda são necessários mais estudos e evidências.

As informações divulgadas vêm da primeira fase de um estudo clínico desenvolvido pelo Centro Médico Ichilov, em Tel-Aviv. Nele, 30 pacientes em estado moderado a grave de Covid-19 receberam uma aplicação de EXO-CD24 a cada 24 horas ao longo de cinco dias. Do total, 29 pacientes se recuperaram de três a cinco dias após tratamento. Entretanto, uma parte fundamental dos ensaios clínicos foi negligenciada: uma substância placebo não foi administrada a um grupo controle. Sem esse procedimento, não há como comparar os resultados do fármaco administrado e calcular a eficácia do medicamento.

Para compreender como funciona o EXO-CD24, o Jornal Opção ouviu Eliana Martins Lima, pesquisadora com mais de 25 anos de experiência na área de nanotecnologia aplicada às ciências farmacêuticas e professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás. “Venho acompanhando o estudo de Nadir Arber desde que a notícia surgiu, não só pela relevância, mas também pela semelhança com minha linha de pesquisa. Por um lado, as informações divulgadas nos mostram um panorama interessante, mas por outro, tudo o que temos é preliminar”, afirmou a cientista.

Como funciona

Eliana Martins Lima explica que a morte de uma célula pode acontecer de diversas maneiras. Um dos processos naturais que evita a proliferação de problemas em um organismo é o reconhecimento pelo próprio sistema imunológico de células infectadas por patógenos ou com material genético defeituoso. Antes que essa célula se replique e perpetue o problema, o organismo é capaz de programar e executar a morte dessas células determinadas (processo chamado de apoptose).

O processo da apoptose envolve células de defesa, como os macrófagos, que devoram (fagocitam) e disparam uma cascata de mecanismos bioquímicos e metabólicos para eliminar aquela célula alvo. Durante alguns processos patológicos, entretanto, esse mecanismo não funciona bem. Em doenças autoimunes, por exemplo, o organismo ataca células saudáveis de forma indevida. No câncer, por outro lado, o organismo perde a capacidade de reconhecer células que deveriam ser destruídas.

Uma das explicações para este fenômeno está nos marcadores de superfície expressados em algumas células tumorais. Esses marcadores são proteínas ou peptídeos localizados na membrana externa das células e que têm a função de sinalizar algumas informações a outros atores do organismo. Desde a década de 1980, sabe-se que a proteína CD24 na membrana celular está associada a tumores agressivos, pois é um marcador capaz de comunicar ao sistema imune que aquela célula – mesmo que cancerosa – não deve ser atacada.

Nadir Arber é um médico e pesquisador israelense que estuda alternativas terapêuticas para tratar câncer de ovários. Uma de suas contribuições no desenvolvimento do medicamento contra a Covid-19 foi elaborar uma maneira de utilizar a molécula CD24 para amenizar o ataque do sistema imune aos tecidos do paciente.

“Já ficou claro que um dos principais responsáveis pelas mortes das pessoas infectadas com o novo coronavírus é um fenômeno chamado de ‘tempestade de citocinas’”, explica Eliana Martins Lima. “Citocinas são substâncias mediadoras do processo inflamatório liberadas pelas próprias células de defesa. Elas agem como chamarizes do sistema imune. Na Covid-19, macrófagos e células dendríticas atacam o agente invasor e, uma vez feito isso, liberam citocinas, que irão recrutar mais células de defesa e tornarão a inflamação ainda pior”.

O tratamento proposto pelo cientista israelense consiste em utilizar a molécula CD24 para sinalizar ao sistema imunológico que não é necessário desencadear uma resposta exacerbada. Se bem sucedido, o processo tornará macrófagos menos ativos, diminuindo a produção de citocinas e o acúmulo de líquido nos alvéolos. Este líquido produzido no processo inflamatório é o responsável por impedir as trocas gasosas nos pulmões e termina por matar o paciente.

Quanto à primeira metade do nome EXO-CD24, este se refere ao termo “exossomos”, que são pequenas vesículas eliminadas por uma célula com o objetivo de transportar moléculas e mediadores bioquímicos para células vizinhas. Em nível microscópico, a maior parte das moléculas são incapazes de se mover soltas, sem suporte de algum tipo de transportador. No fármaco estudado, são os exossomos – esses sacos transportadores de materiais – que levam a proteína CD24 aos pulmões.

Desenvolvimento incipiente

Eliana Martins Lima ressalta que os estudos são promissores e interessantes, mas iniciais. Quanto à perspectiva de colaboração entre Brasil e Israel nos ensaios clínicos, a pesquisadora afirma: “Não sei dizer se é precipitado, mas me parece ser uma decisão tomada mais pelo desejo de encontrar respostas do que por fundamentos sólidos. Precisamos nos resguardar quando falamos de saúde humana. Entendo a vontade política, pois os resultados são favoráveis, mas ainda estamos longe dessa etapa.”

A pesquisadora lembra que a natureza do fármaco – proteína veiculada a uma vesícula lipídica – requer um grau avançado de tecnologia que o Brasil domina. “Temos uma série de resultados interessantes para tratamentos semelhantes com outras doenças. Com mais incentivo para a pesquisa, o Brasil poderia desempenhar um papel central no desenvolvimento desses fármacos, sem sofrer com furos metodológicos como a ausência de um grupo controle”.

Spray desenvolvido em Goiás

Em novembro de 2020, o Jornal Opção noticiou o desenvolvimento com nanotecnologia de uma partícula capaz de se ligar e “desativar” o coronavírus (Sars-CoV-2) causador da pandemia de Covid-19. Liderado por Eliana Martins Lima, o estudo atualmente progride em parceria com o Instituto Butantã. A expectativa dos cientistas é de que o funcionamento da terapia com a nanopartícula, caso se mostre eficiente e segura, possa servir no combate à pandemia bem como plataforma para tratamento de diversos outros tipos de infecção viral.

Aparecida pode receber teste do EXO-CD24

O prefeito de Aparecida, Gustavo Mendanha, usou suas redes sociais para manifestar preocupação com o avanço da segunda onda de Covid-19. Ele citou dados do Boletim Epidemiológico do município que indicavam a ocupação, nesta segunda-feira, de 75% dos leitos de UTI da rede pública municipal destinados ao tratamento de Covid. E adiantou que busca uma nova alternativa para fazer enfrentamento à doença.

Durante a conversa, o prefeito anunciou que, para ampliar as medidas de enfrentamento ao novo coronavírus, ele aventa com a missão diplomática de Israel no Brasil a possibilidade de Aparecida ser inserida no circuito de cidades brasileiras que receberão o experimento israelense – já na terceira fase de pesquisas – do spray nasal EXO-CD24.

“Eu acredito muito na tecnologia de Israel e, se eu mesmo pudesse tomar, eu utilizaria esse medicamento”, disse o prefeito Gustavo Mendanha. A ideia, segundo ele, é que o Hospital Municipal de Aparecida (Hmap) seja habilitado para receber o experimento, que ocorrerá em parceria com o Ministério da Saúde. “Seria importante a gente ter um medicamento que fosse, de fato, eficiente e eficaz no combate a essa doença”, comentou Gustavo Mendanha.

O prefeito de Aparecida contou que conversou ontem com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, para iniciar as tratativas. E ainda nesta semana, segundo afirmou Gustavo, ele deve encontrar o diplomata em Brasília para acertar detalhes da parceria e assinar um protocolo de intenções com Jerusalém.

Horas depois da live, Yossi Shelley se manifestou no Instagram para parabenizar a iniciativa do prefeito. “Parabéns ao prefeito Gustavo por sua iniciativa em prol da saúde do seu povo e pela confiança nesta parceria”, escreveu o embaixador.

Fonte: Jornal Opção

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