PATRÍCIA PASQUINI, SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –
Apesar da desaceleração nas taxas de internações em leitos UTI Covid-19 no estado de São Paulo, o epidemiologista Paulo Lotufo, 64, avalia que não é o momento de conceder flexibilizações, pois os números ainda são altos.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, neste domingo (18), dos 23.854 pacientes hospitalizados com suspeita ou confirmação da doença, 11.199 ocupavam leitos de UTI.
Lotufo acredita na possibilidade de enfrentarmos uma terceira onda da doença.
A opinião do especialista vai ao encontro de um estudo que aponta o relaxamento das restrições de forma prematura um fator prejudicial para o combate à Covid-19. A afirmação é de um grupo de pesquisadores que monitora as ações estaduais desde o início da pandemia.
Para eles, o relaxamento prematuro de medidas que causam aglomerações pode acelerar o crescimento da doença e a falta de credibilidade na estratégia estadual.
No domingo, a gestão Doria (PSDB) iniciou uma fase de transição, com a reabertura do comércio, das 11h às 19h, e a permissão para cerimônias religiosas. No dia 24 de abril, a medida será estendida para o setor de serviços.
PERGUNTA – Como o senhor analisa o atual momento da pandemia no estado de São Paulo?
PAULO LOTUFO – Estamos num momento trágico, porque temos todas as condições ruins: aumento de casos, de hospitalizações, mortes. No momento, há uma desaceleração, mas ainda com níveis muito altos, maiores do que em maio. A grande preocupação é como se dará essa redução da mobilidade que foi implantada. A indicação que nós temos é que todas as medidas reduziram a transmissão. A melhor coisa seria que a situação emergencial tivesse sido prolongada por mais um tempo e, a onda vermelha, até o Dia das Mães. O comércio teria que se adaptar. Por que eu falo isso? Porque o Natal foi catastrófico e o temor é que o Dia das Mães seja algo semelhante.
P. – Então, não é o momento para flexibilizações?
PL – Ainda não, porque temos números muito altos e precisamos descer a valores mais baixos para termos tranquilidade. Pelo menos, chegar a números que alcançamos na capital por volta de agosto, setembro.
P. – Na taxa de ocupação de leitos?
PL – Não, a taxa de ocupação de leitos, para mim, é um fato administrativo. Você pode aumentar leitos e diminuir a taxa. O mais importante é o número de casos novos, internações, internações em UTI e óbitos.
P. – Quando falamos em desaceleração nas internações, o que de fato ocorre: morrem mais pessoas e as internações caem ou a transmissão está menor?
PL – A mortalidade é relativamente pequena em relação ao número de casos -chega a 3%, 4%, no máximo. Então, não tem grande impacto no número de hospitalizações. O que é determinante mesmo é a transmissão.
P. – O vírus está mais violento em relação ao ano passado. O que mudou, além das variantes?
PL – As cepas têm um componente que estou chamando até de fabuloso, porque não chegou nem a 1% da genômica dos nossos casos. A minha interpretação é que o que se passou em 2020 foi uma contenção maior das pessoas: quando começou a liberação, houve vários momentos de um superespalhamento com uma carga viral muito grande. A outra interpretação é que houve demora para buscar assistência médica. Estamos cansados de ver pessoas com sintomas [de alguma doença] que dizem estar bem e procuram tardiamente o médico. A outra possibilidade é o uso do famoso tratamento precoce, que é um termo profundamente estúpido, porque ou o tratamento é tempestivo ou tardio. Outra possibilidade, os colegas contam, são as pessoas que se acham mais protegidas com o tratamento precoce. Elas se contaminam mais, demoram a procurar [o médico] e quando o fazem estão com uma gravidade maior. Eu vi uma faixa em Curitiba, numa manifestação, que achei muito legal: ‘Pra que vacina se temos cloroquina?’. Gostei porque ela consegue resumir muito bem o raciocínio dessas pessoas, que não conseguem diferenciar a vacina de um remédio.
P. – O senhor acredita na terceira onda?
PL – Acho que é possível, sim, porque a questão política está totalmente favorável a que todas as medidas de distanciamento social não consigam se manter -isso por força do presidente da República.
P. – Marcelo Queiroga será um ministro da Saúde efetivo, na sua opinião?
PL – Ele já completou 28 dias. O Nelson Teich, que ficou 28 dias, não tinha grande entendimento de epidemiologia, mas era uma pessoa com outras habilidades. Uma coisa importante que o Teich fez foi quando surgiu a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca e precisava fazer os ensaios clínicos, mas não existia dinheiro. Ele conseguiu doações, foi para a Fiocruz e conseguiu fazer a fase 3 aqui. Começou a arrumar todo o sistema de informatização para deixar a informação mais ágil. O que eu vejo do ministro [Queiroga] é que ele está só fazendo coisas protocolares. Tenta pregar algumas coisas por aí, como “país de máscaras” e, duas horas depois, o Bolsonaro está andando sem máscara. Acho que ele não vai sair do cargo porque tem outros interesses. Ele soltou umas outras ideias por aí e, se enveredar por elas, pode ser que faça alguma coisa boa.
P. – O transporte público e a abertura das escolas são responsáveis pelo grande número de casos?
PL – Escolas, não. A transmissão em escolas é relativamente pequena. Meu bordão é “escola é a última a fechar e a primeira a abrir”. Transporte público, sim, é o grande problema. Nas áreas onde existe muito entroncamento, mais no centro, a população local estava demonstrando uma transmissão maior.
P. – Qual seria a solução?
PL – Acho que nós estamos pagando, não só São Paulo, Brasil e América Latina, a forma de urbanização maluca que foi feita. Ao invés de você concentrar mais na área central para que a distância fosse menor com maior diversidade, nós fizemos essas loucuras. Cidade Tiradentes é o exemplo acabado de uma loucura total. Você põe 200 mil pessoas num lugar que não tinha nada e elas precisavam sair para trabalhar. São locais onde você deveria fazer crescer e levar as pessoas. Já tem todos os benefícios públicos lá. Mas, não, você deixa umas áreas deterioradas e põe o cara nos quintos dos infernos. Aquele lema: “Minha Casa, Minha Vida, meu fim de mundo”.
P. – Na sua opinião, qual seria a solução para vacinar mais rapidamente a população, além de mais doses?
PL – No início, fui um crítico pesado do que foi feito. Vou dar um exemplo positivo. Campinas é uma cidade grande lá eles fizeram um local central e mandaram todo mundo entrar por meio de internet, WhatsApp, telefone para marcar horário. Aplicaram a primeira dose. A pessoa ficava cadastrada e já era avisada de que iria tomar a segunda dose na UBS. Se o paciente não aparecia em três, quatro dias, iam atrás. Quando eram muito idosos, aplicavam em casa. Eu defendo que a primeira dose seja centralizada e a segunda na UBS, para permitir a procura dos faltosos.
PAULO LOTUFO, 64
Médico epidemiologista e professor de clínica médica da Faculdade de Medicina da USP.